Editorial do nº35-36 d’O Trabalho

Faz cinquenta anos que a revolução portuguesa começou, no dia 25 de Abril de 1974.

Não foi o golpe militar dos capitães que começou a revolução. O golpe militar fez cair o regime. A crise das forças armadas foi o sinal do desmoronamento do velho regime. Os de cima já não conseguiam mandar como dantes.

Porém, a revolução começou porque, aberta a brecha na armadura do regime, as massas trabalhadoras de todo o país desobedeceram aos militares, conquistaram a rua e começaram a construir o seu próprio poder. Os de baixo já não aceitavam viver como dantes.

A revolução não se saldou, é certo, na conquista do poder pela classe trabalhadora e na expropriação integral do capital.

Os elementos do poder alternativo da classe trabalhadora que se começaram a constituir, as comissões de trabalhadores nas empresas, de moradores nos bairros, de soldados nos quartéis, os colectivos de camponeses que ocuparam os latifúndios, não se chegaram a ligar nacionalmente para pôr no lugar do velho Estado que ruía um novo Estado assente nos trabalhadores auto-organizados.

Os velhos partidos da classe trabalhadora, o PS e o PCP, estavam comprometidos com os acordos  do pós-guerra entre Washington e o Kremlin. Não queriam ameaças à ordem imperialista internacional estabelecida. 

Uma significativa vanguarda operária e da juventude buscou uma via revolucionária. Porém, as fidelidades, origens e orientação políticas de muitos dos grupos e os tempos rápidos do desenvolvimento da revolução não deram tempo nem oportunidade a que surgisse uma direcção política forte, alternativa quer ao PS e às suas alianças com o MFA, a burguesia e a embaixada americana, quer ao PCP e à sua aliança com o MFA e o Kremlin.

Várias tentativas de golpe reaccionário (28 de Setembro de 74, 11 de Março de 75) fracassaram, derrotadas pela reacção decidida das massas trabalhadoras e pela incapacidade das altas hierarquias militares para usar os soldados contra elas.

Mas uma situação revolucionária não dura eternamente. Depois do confuso golpe de 25 de Novembro de 75, um entendimento entre a hierarquia militar recauchutada e as chefias do PS e do PCP permitiu iniciar uma contra-ofensiva paulatina contra as conquistas revolucionárias.

Desde 1976, temos assistido a uma batalha encarniçada de sucessivos governos e coligações para desmantelar essas conquistas ⎼ com sucessos variáveis.

A revolução mantém-se viva em muitas conquistas. Viva nas novas organizações criadas pelos trabalhadores: sindicatos, comissões de trabalhadores. Viva, inclusive, inscrita em aspectos da letra da Constituição e das leis e instituições: no serviço nacional de saúde, no ensino público, na segurança social, apesar das feridas entretanto sofridas. Viva, na consciência de milhões de trabalhadores que fizeram a revolução e na das gerações seguintes, que beneficiaram das conquistas dos pais e avós. Activa, na “originalidade” de sucessivas eleições em Portugal: raramente o patronato pôde governar com os partidos que o representam directamente, o PSD e o defunto CDS (entretanto vagamente ressurrecto, mas na realidade revezado pela versão “modernizada” da IL).

Mesmo depois de se atrelar ao comboio da UE, a burguesia portuguesa ficou politicamente dependente das direcções do PS e do PCP ⎼ entretanto, também do BE ⎼ para se conseguir aguentar no poder.

Neste sentido, os resultados das eleições de 10 de Março último representam um revés significativo para os trabalhadores e do seu movimento organizado, sindical, associativo e político.

A maioria dos votos e dos deputados pendeu para os partidos da direita ⎼ e, desta vez, não apenas por causa da abstenção dos trabalhadores, fartos de verem os seus partidos tradicionais a aplicarem as políticas do capital.

Tão-pouco porque PSD/CDS/IL tivessem aumentado grandemente a sua votação. Tudo tentaram para isso, sim. Chegaram a “apoderar-se” de reivindicações dos trabalhadores contra a austeridade do sistema UE: a recuperação do tempo de serviço dos professores, aumentos aos oficiais de justiça. Apesar disso, após oito anos “na oposição” e promessas de mundos e fundos, quase não ganharam terreno.

O desespero do chefe Montenegro levou-o ao ponto de recorrer à monumental aldrabice de feira do “choque fiscal”, agora desmascarada pelos próprios jornalistas do regime. O pobre chefe de redacção do impecavelmente liberal “expresso”, em estado de choque, teve de apresentar desculpas formais aos seus leitores, de “baraço ao pescoço”, por se ter deixado aldrabar.

Assim, o que virou os pratos da balança eleitoral foi a irrupção da votação no Chega, tirada à abstenção ⎼ mas também ao bolsonarismo naturalizado.

A ascensão do Chega, uma chusma dirigida por oportunistas e aventureiros dispostos a tudo, é sinal do desespero que alastra a sectores pouco organizados da população intermédia e pobre, não raro tão explorada como os trabalhadores assalariados em geral.

 Uma parte da população que votou Chega fê-lo frustrada pela incapacidade dos partidos que representam tradicionalmente a classe trabalhadora para oferecer uma via de saída. Aceitou o estribilho do caudilho: “eles fazem todos o mesmo”. Não está, infelizmente, longe da verdade, a questão é o porquê.

No entanto, essa população, sensível porventura à demagogia antigreve, ainda está longe de estar ganha para constituir milícias organizadas de caceteiros e fura-greves para atacar o movimento sindical, conquistar a hegemonia nas ruas e destruir as liberdades dos trabalhadores.

Seria estulto ignorar o sinal de alarme para o movimento operário e os trabalhadores. Porém, tão-pouco se pode ver nestas eleições uma derrota histórica da classe trabalhadora portuguesa.

O tempo é, ainda, o de construir uma nova direcção, alternativa aos profetas da derrota, capaz de ajudar o movimento dos trabalhadores a construir a sua frente de resistência unida, independente do capital, capaz de romper com a ordem da UE e do capital, abrir caminho ao novo Abril e cumprir a sua promessa de paz, pão, habitação, saúde e educação.

Para ajudar a construir esse caminho, neste jornal, apelamos:

juntemo-nos numa plataforma por um PARTIDO DOS TRABALHADORES.